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O estranho pai nosso do vigário Ayres Britto
Percival Puggina 02 Maio 2010
Onde o petista Ayres Britto foi buscar individualismo no Pai Nosso não é nem pode ser matéria de alta indagação. Bem ao contrário, é matéria da mais rasteira constatação: no chão do ódio ideológico e da conveniência política.
Perdoem-me este primeiro parágrafo, obviamente exaustivo, mas eu preciso dele para o que vem depois. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, levando a Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul) e outros revisionistas a tiracolo, tomou uma goleada do STF (7 x 2) contra a ideia de reinterpretar a Lei de Anistia. Bom para o país. Bom para a nação. Entre o conhecimento jurídico do Conselho Federal da OAB, que se fez representar na causa pelo mais enrustido dos petistas, o advogado Fabio Konder Comparato, e a farta maioria do STF, eu fico com esta última. Quem leu meu artigo "A reinterpretação da lei da anistia", divulgado em 25 de abril, três ou quatro dias antes das sessões em que o STF deliberou sobre a matéria, terá percebido que os sete votos, quando extravasaram o necessário campo do Direito para argumentar nos espaços da Política e da História, seguiram as mesmas e óbvias trilhas que eu havia intuído no plano do bom senso: mais do que esquecimento, anistia é perdão e sua reinterpretação faria muito mal ao país.
Até aí nada de mais. Coisa sabida, matéria vencida e de martelo batido. O que me interessa aqui é o voto do ex-candidato a deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores, o aveludado ministro Ayres Britto, filho das musas sergipanas. E por que me interessa tanto esse voto? Por uma razão tão simples quanto grave. Pode-se tolerar erro de Direito no voto prolatado por qualquer ministro do STF. Pode-se admitir, igualmente, a má interpretação de fatos em julgamento. Mas não se pode silenciar ante a adoção de uma premissa falsa porque falsas premissas evidenciam intenção de enganar, de iludir, de embair o interlocutor induzindo-o ao erro. E menos ainda se pode usar o Pai Nosso como fundamento para tais ofícios.
No entanto, o ministro versejador, depois de afirmar em seu voto que "perdão coletivo é falta de memória e vergonha" (veremos, mais adiante, o quanto isso também é falso), saiu-se com a afirmação de que "quando Cristo fez a belíssima pregação de que devemos perdoar nossos inimigos, o fez no plano individual, no plano pessoal (...) A humanidade tem o dever de odiar seus ofensores" (gostou tanto da frase que a repetiu por três vezes!). E mais adiante saiu-se com esta: "O hino de todas as igrejas cristãs, que é o Pai Nosso, quando diz 'perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos os que nos tem ofendido' o fez no plano individual, no plano pessoal".
Ora, caro leitor, bem ao contrário do que pretendeu o poeta do ódio aos ofensores, o Pai Nosso é a mais coletiva das orações cristãs. Não há um único "eu" no Pai Nosso. Em cada um de seus versículos apenas existe o "nós". O Pai é nosso; o Reino é para nós; o pão é nosso; o perdão do Pai é para nós e deve ser nosso o perdão aos nossos ofensores; a tentação a ser evitada é nossa e os males de que queremos estar livres, também. Onde ele foi buscar individualismo no Pai Nosso não é nem pode ser matéria de alta indagação. Bem ao contrário, é matéria da mais rasteira constatação: no chão do ódio ideológico e da conveniência política.
Por fim, qualquer criança pode entender para onde conduziria uma política que se envergonhasse do perdão coletivo. Para tomar o exemplo mais recente, a Copa do Mundo não estaria sendo realizada na África do Sul. Haveria muito mais sangue e guerras sem quartel nem fim. Viveríamos, ao longo da história, na mais pura e inextinguível selvageria se todas as etnias, nações, povos, religiões e estadistas se mantivessem na trincheira do ódio e da incapacidade de perdoar para onde esse menestrel alagoano do infinito desamor gostaria de levar o Brasil.
(www.ternuma.com.br)
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